Lightsticks de grupos de Kpop tem se destacado como símbolo de resistência entre jovens que protestam pelo Impeachment do presidente sul-coreano
Desde que os protestos pedindo o impeachment do atual presidente Yoon Seok-Yeol começaram, uma coisa tem chamado atenção durante as vigílias: o mar de luzes advindas dos bastões iluminados com tema de grupos de K-pop.
Popularmente utilizado para iluminar estádios durante shows lotados, o lightstick é o símbolo mais marcante de que você é fã de um determinado grupo. Cada grupo tem um modelo, cada modelo tem sua própria cor, e cada fã carrega seu próprio bastão, para demonstrar sua lealdade e amor ao seu grupo favorito.
Sob as luzes dos mais diversos lightsticks e ao som das mais famosas canções do gênero, fãs que querem cumprir seu dever cívico e se manter motivados durante as geladas noites de dezembro em Seul, usam o k-pop não apenas como uma válvula de escape, mas também como um combustível para se motivar. Com cartazes em mãos, fãs de GOT7, NCT, NewJeans, Aespa e muitos outros grupos, gritam: “Impeachment para Yoon, líder da insurreição!”.
Tweet com vídeo do instrumental da canção “Whiplash” do grupo feminino AESPA sendo usada como trilha sonora para gritos de protesto. “Renuncie! Renuncie! Yoon Seok-Yeol, renuncie!”
Muitos ídolos se pronunciaram ou demonstraram apoio ao movimento popular. O ator Nam Yoon-Su esteve presente em manifestações e até postou fotos no local. Youngjae, do grupo GOT7, ao responder uma fã que estava nos protestos e comentou em sua live “Farei da Coreia um lugar melhor para se viver”, disse: “Eu desejo o bem da Coreia mais que ninguém. Obrigado por estar comigo nesse mundo tão difícil de se viver, espero que possamos mudá-lo juntos”. Outro ídolo que falou abertamente sobre os protestos foi Hyuk, do VIXX, que disse: “a maior liberdade que temos é poder escolher como reagimos”.
Outra forma que artistas encontraram para demonstrar apoio online foi através de um emoji. Jay B, do GOT7, foi um dos artistas que colocaram um emoji de vela em seu perfil. Esse emoji está sendo usado nas redes sociais para se solidarizar tanto com os manifestantes quanto com a causa, e também foi postado por: Yves, ex-membro do Loona; o perfil oficial do STAYC na rede Bubble; a cantora solo Adora; a atriz Go Min-Si; entre outros.
Contudo, nem todas as celebridades que se pronunciaram foram vistas com bons olhos, principalmente as artistas femininas. Lee Chae-Yeon, ex-membro do IZ*ONE e Hyeju, membro do Loosemble (ex-membro do Loona), foram fortemente criticadas online. Chae-Yeon e Hyeju se pronunciaram sobre a onda de comentários maldosos. Cha-Yeon disse: “Como cidadã, eu me importo (com a política). E como cidadã, irei me pronunciar justamente por ser uma celebridade. Precisamos viver em um mundo melhor”. Já Hyeju parabenizou quem foi às ruas e reiterou: “Algumas pessoas podem se sentir desconfortáveis por eu expressar minha opinião, mas sou uma celebridade e acho certo (me expressar) porque também sou uma cidadã”.
Kpop como forma de resistência feminina

O gênero musical também é conhecido por ter uma grande base de fãs mulheres. Segundo pesquisa feita pelo jornal The JoongAng Ilbo, aproximadamente 70% dos fãs de kpop são mulheres, o que significa que a indústria musical sul-coreana depende, majoritariamente, do apoio direto de mulheres. O fato se torna um ponto de atenção maior quando se nota que, conforme noticiado pela MBC News, a maioria dos manifestantes são mulheres, principalmente jovens, entre os 20 e 30 anos. Essa característica de oposição se destaca principalmente quando apontado que o presidente Yoon faz parte de um partido conservador de direita e se auto-intitula um “anti-feminista”.
Em 2022 ele prometeu abolir o Ministério da Igualdade de Gênero e da Família, alegando que as mulheres sul-coreanas não sofriam discriminação estrutural e sistemática. O ministério permanece, mas o cargo de ministro está vago desde fevereiro. Não é à toa que o movimento “4B” (os 4 “nãos”), onde mulheres se recusam a ter qualquer relacionamento romântico ou físico com homens, vem se espalhando no país. De acordo com a Procuradoria Suprema da Coreia do Sul, 90% das vítimas de crimes violentos em 2019 eram mulheres. Os crimes sexuais digitais viraram uma epidemia. Homens instalam câmeras escondidas em banheiros públicos, vestiários femininos, lojas e até metrôs para filmar mulheres, distribuindo os vídeos online sem consentimento.
Yoon foi eleito em 2022 com o apoio explícito de grupos incel, homens conservadores e neoliberais. Políticas danosas à Saúde, extremismo polarizador contra os democratas, péssimo gerenciamento do relacionamento com a Coreia do Norte (que havia se aproximado do Sul graças ao governo de seu antecessor, Moon Jae-In) e hostilidade contra a mídia também são alguns dos principais motivos da impopularidade do governo de Yoon.
“Um café e um impeachment, por favor?”
Nesse momento tão importante na política sul-coreana, há um movimento que tem se popularizado. O “Pay Back Movement”, funciona da seguinte forma: cidadãos que não podem estar ativamente presentes nos protestos pagam adiantado uma quantidade determinada de algo, como comida ou café, para restaurantes e cafeterias nas proximidades dos locais de concentração popular, para que manifestantes possam comer e beber, enquanto protestam e enfrentam o frio de um inverno severo. Os que fazem esses pagamentos postam avisos em suas redes sociais ou pedem para o estabelecimento deixar exposto o nome de quem pagou e quantos itens foram pagos, para que assim os manifestantes possam recuperar suas forças e continuar seus protestos.
A Tiktoker Anna Kook compartilhou em suas redes um vídeo expositivo sobre o movimento:
Muitos ídolos de k-pop também se juntaram ao movimento anunciando que iriam distribuir comidas, bebidas e aquecedores de mãos para manifestantes pró-impeachment. Artistas como o grupo NewJeans e a cantora Yuri, do grupo Girl’s Generation, foram alguns dos que ajudaram, viabilizando as vigílias iluminadas por lightsticks.
O que aconteceu na Coreia do Sul?
No dia 3 de dezembro deste ano, o presidente sul-coreano, Yoon Seok-Yeol, anunciou em rede nacional que havia outorgado uma Lei Marcial, com a desculpa de que estava protegendo o país do comunismo norte-coreano. A lei entraria em vigor imediatamente e instauraria um Estado de Sítio. A principal consequência seria o fim de todas as atividades políticas no país, fechando o Congresso Nacional, conselhos locais, partidos políticos e outros. Também seriam proibidas manifestações e protestos, e todos os meios de comunicação do país ficariam sob o poder do Estado.
Imediatamente, Yoon e seu, até então, ministro da defesa Kim Yong-Hyun, convocaram forças militares especiais para fechar o Congresso. Enquanto parlamentares correram para o Congresso na intenção de mantê-lo aberto e realizar uma sessão de emergência para revogar a lei marcial, cidadãos sul-coreanos correram para as ruas para se mobilizar. Em um frio de quase zero grau, famílias inteiras foram para às ruas e para a porta do Congresso para evitar que ele fosse fechado.
Após a votação de revogação da lei marcial, que durou aproximadamente 6 horas, os parlamentares de oposição ao governo Yoon e a Confederação Coreana de Sindicatos convocaram uma greve geral, com vigílias à noite, com tempo indeterminado, até que Yoon Seok-Yeol fosse impeachmado.
Tweet da parlamentar Kim Jae-Yeon, do Partido Progressista (único partido de esquerda da Coreia do Sul), apresentando o pedido de impeachment formalizado e anunciando as vigílias.
Mesmo com o apoio do presidente do Partido Poder Popular, partido de Yoon, no sábado dia 07, a votação foi boicotada pelos colegas parlamentares de Yoon. Os membros do PPP saíram da plenária após marcarem presença, fazendo com que houvesse 108 abstenções, quase 50% do Congresso. Na Coreia do Sul, para um impeachment ser decidido, é necessário que haja mais de 2 terços do congresso a favor. Os conservadores somam quase metade do congresso. Sem o voto deles, o impeachment não pode ser aprovado.
Porém, no sábado (14), após duas semanas de protestos, Yoon Seok-Yeol foi impeachmado. Com mais de 2 terços do Congresso, sua deposição foi aprovada. Yoon deve ainda enfrentar o tribunal por diversas acusações, mas principalmente por traição e insurreição. Em seu lugar, como presidente interino, se encontra o primeiro-ministro sul-coreano Han Deok-Soo, que em uma aviso à nação, declarou: “As condições internas e externas que a República da Coreia enfrenta atualmente são muito difíceis. O governo fará o seu melhor para superar estas dificuldades e minimizar o impacto na vida dos nossos cidadãos”.
Ao saberem das notícias, os manifestantes comemoraram o impeachment da melhor maneira possível: olhando para o futuro com esperança e empunhando seus lightsticks ao som da canção Into the New World, do grupo Girl’s Generation.

