O Mágico de Oz de 1939 é uma das mais célebres produções de hollywood até os dias de hoje. O longa foi revolucionário na época por mostrar como as cores podem contribuir para uma jornada fantástica. Diferente do mundo real com tons em sépia, Oz é construído como um universo mágico e colorido, saturado e cheio de detalhes que perpetuaram pela cultura pop pelas décadas que se passaram. Não só os visuais, claro, mas as música também se eternizaram. Anos depois, o mundo de Oz seria palco para uma série de outras releituras da obra, sendo Wicked uma das mais famosas. O livro reconta o relacionamento entre a Bruxa Má do Oeste e a Bruxa Boa do Norte (ou Sul, depende da obra, mas, em Wicked, a Glinda é do Norte) e se propõe a analisar a relação do bem e do mal, construindo uma Oz muito mais politica e sombria. Contudo, o livro de Gregory Maguire foi adaptado ao musical homônimo para a Broadway numa versão amena. O grande sucesso de Wicked rendeu um legado enorme ao musical, recebendo diversas homenagens em séries e filmes, até finalmente receber sua adaptação cinematográfica.
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Wicked – Parte Um (2024) é a adaptação do primeiro ato do musical, mostrando a história de Elphaba (Cynthia Erivo) até assumir o papel de wicked (bruxa má) pelos moradores de Oz. Glinda (Ariana Grande) é sua companheira de quarto, muito mais popular e querida pelos estudantes da Universidade Shiz, cujo desejo é poder estudar magia e ser tornar uma feiticeira com a Madame Morrible (Michelle Yeoh). A vida de Elphaba é apresentada desde seu nascimento, fruto de uma relação extraconjugal de sua mãe, até o momento em que desafia a gravidade. Outros nomes compõe o elenco como Jonathan Bailey, Jeff Goldblum, Marissa Bode e Ethan Slater.

Em contraste com a temática sombria do livro, o musical de Wicked é alinhado a comédia, trazendo a protagonista como uma pessoa boa, no entanto, incompreendida. Apresentando Elphaba como uma mulher de aparência exótica, o filme aborda a internalização dos sentimentos de abandono, frustração e raiva diante da discriminação por simplesmente ter nascido diferente. É uma proposta muito atual, já que ainda vivemos em uma sociedade cujo o diferente sempre é colocado em cheque e a ignorância fala mais alto. Em outras palavras, Wicked retrata o medo do diferente.
Ainda que a visão política abordada nos livros seja amenizada aqui, focando mais em desenvolver a relação entre Elphaba e Glinda, ainda podemos ver traços do fascismo nascendo em Wicked através da opressão de minorias como cortina de fumaça para problemas maiores no mundo de Oz. Nesse caso, a minoria vem através dos animais, que são seres subservientes aos humanos. Outros pontos podem ser levados em consideração como a propaganda e a radicalização das ações do moradores de Oz, antagonizando Elphaba como uma distração do real problema de Oz: o poderoso charlatão manipulador.
São nesses pontos que Wicked se torna uma versão mais complexa do O Mágico de Oz; a expansão do universo constrói camadas pela fina e superficial relação dos Ozians. Contudo, mesmo com suas mais de duas horas de filme e, claramente, sendo uma história incompleta, esses fatores politicos são deixados em segundo plano para focar no relacionamento entre Elphaba e Glinda, estabelencendo a diferença entre os dois mundos. Elphaba sendo a excluída e odiada por seus colegas e Glinda sendo popular e amada por todos.

Cynthia Erivo foi a atriz escolhida para interpretar a Elphaba e eu não ousaria pensar em outro alguém para tal feito. Mesmo que o legado das originais Indina Menzel e Kristin Chenoweth permaneça intacto e homenageado pelo filme, Cynthia Erivo consegue unir a dramatização teatral com a emoção fílmica. Isto é, Erivo é expressiva com seu olhar, mas sabe conter a suas emoção e focar a explosão de Elphaba na sua voz. O escopo da personagem é ser movida pela emoção, afinal é pelo sua falta de controle emocional que surgem os seus poderes e Erivo consegue transmitir essa euforia através da sua voz. Sendo uma veterana da Broadway, não foi difícil para a atriz atingir as notas precisas, seu verdadeiro desafio foi o de cantar enquanto “voava” pelo set – algo que foi muito bem executado por ela. Sua indicação de Melhor Atriz ao Oscar não veio a toa.
Ariana Grande, por outro lado, já teve um caminho mais desafiador. Glinda é o oposto de Elphaba, portanto, uma personagem mais superficial, mas não menos exigente. Grande vem do pop e, portanto, precisou passar por aulas vocais para mudar o seu tom e atingir as notas agudas de Glinda, principalmente na abertura do musical. Para o ouvido leigo, Ariana Grande se saiu muito bem, ela realmente tem uma voz muito potente e se esforçou para fazer jus ao personagem, mas talvez para especialistas em canto eles encontrem uma coisa aqui ou ali para apontar em melhorias da atriz – felizmente, não sou especialista, a voz dela ficou linda! – Já sua atuação, algumas coisas a diferem da performance de Erivo. Enquanto a protagonista consegue transitar entra a teatralidade da personagem e a atuação para filme, Ariana Grande já foi muito mais teatral. Não que isso seja um problema, só que em alguns momentos ela se empolga na linguagem corporal da personagem, se aproximando mais de uma Glinda teatral.
O próprio filme do Mágico de Oz é teatral: as danças, falas articuladas e movimentos corporais exagerados são muito mais próximos a um teatro. Portanto, não vejo o desempenho da Grande como um defeito, vejo um esforço em fazer jus ao personagem e ao legado de Kristin Chenowetz. Sua atuação demonstra seu toque na personagem, conseguindo criar uma Glinda personalizada. As duas escolhas foram bem encaixadas para os seus papéis, tanto pelo talento das atrizes quanto seu apego pela história, afinal ambas participação ativamente da produção e performaram ao vivo nas gravações.

A construção do universo de Oz em Wicked bebe da fonte de uma outra versão da história, Oz: Mágico e Poderoso (2013). Essa prequel do original de 1939 oferece uma versão da ida do mágico a terra de Oz, trazendo uma estética pulsante na construção de mundo: cores vivas em Oz e a falta delas na Terra – com direito ainda a uma mudança de proporção. Wicked idealiza uma Oz mágica, porém com elementos mais sombrios. Ainda que as únicas personagens que, de fato, executem magia sejam Elphaba e Morrible, Oz vive através das criaturas e dos cenários detalhadamente coloridos. Os efeitos práticos do filme dão um tom especial.
Não tem o mesmo efeito do original, mas busca honrá-lo sem perder sua própria personalidade. Afinal, o longa tem a oportunidade de aprofundar esse universo, trazendo pontos originais dos quais nem o musical e nem os demais filmes possivelmente puderam desenvolver. Além disso, Wicked também se comunica através dos cabelos, maquiagem e figurino. Em especial, a cena do baile de Oz (ou o “proibidão” de Oz, rs) compõe a história de cada estudante através de suas aparências, colocando Elphaba em evidência quando ela se apresenta de maneira peculiar, fora do esperado para aquele grupo. Se Oz é a magia em forma de cor, Elphaba é representada pela falta dela; seu figurino é escuro, sombrio, mesmo que sua personalidade seja o oposto. Ela tenta se apagar através das cores, mas é justamente isso que a destaca na multidão colorida.

Portanto, através desse filme, Wicked se torna um sucesso entre os musicais dentro e fora dos palcos. A adaptação consegue captar a essência do musical sem perder sua própria personalidade, buscando aprofundar elementos de maneira original. É uma grande saudação ao original, a versão da Disney, ao musical e ao livro.
Wicked concorre ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Trilha Sonora, Melhor Direção de Arte, Melhor Maquiagem e Penteados, Melhor Figurino, Melhor Efeitos Visuais, Melhor Montagem e Melhor Som.

