A arte é transformadora. Um dos indicados ao Oscar de Melhor Ator e Melhor Roteiro Adaptado em 2025 foi Sing Sing, que conta a emocionante história do projeto de teatro feito para reabilitar detentos de uma prisão de segurança máxima. Baseado em fatos reais, Sing Sing segue o protagonista Divine G (Colman Domingo), um dos fundadores do projeto de teatro que foi injustamente acusado de um crime de assassinato. Devine G encoraja seus parceiros na prisão a participar do projeto como uma válvula de escape da realidade dura que os coloca a mercê da própria sorte.
Não é preciso ser dos Estados Unidos para saber que existe uma disparidade histórica entre presos brancos, negros e estrangeiros (principalmente latinos). As estatísticas mostram que a população de pessoas negras presas é cinco vezes maior do que a de brancos e é a população negra que ainda recebe um tratamento muito mais violento vindo de policias e do sistema de justiça criminal. Dito isso, Sing Sing entra nesse cenário com uma medida humanitária: detentos tendo a oportunidade de se reabilitar através do teatro. O projeto realmente existiu na prisão de segurança máxima Sing Sing Correction Facility e desde 1996 atua como uma oportunidade dos detentos de se expressar, a fim de poderem retornar a sociedade como pessoas melhores. Se você acha que isso é besteira, é só prestar atenção no filme: o elenco é composto pelos ex-detentos beneficiados pelo programa.

A história de Divine G é real e se repete pela história. Um homem negro acusado injustamente de um crime mesmo tendo provas a seu favor. O próprio Divine G, John Whitfield, faz uma ponta dentro filme, interagindo com seu intérprete Colman Domingo, já que ele foi uma das vozes mais ativas no RTA (Rehabilitation Through Arts) durante seus 24 anos de pena cumprida. Outra figura presente no elenco que passou por algo semelhante foi Jon-Adrian “JJ” Velazquez, um ativista injustamente acusado, tendo seu caso repercutido nacionalmente após anos de investigação. O RTA até hoje mantém o programa com seus dados demonstrando como a abordagem humanizada se reflete nas estatísticas ao apontar o impacto do programa comparado ao sistema punitivo do país. Outro ponto muito bacana do projeto é que, além de conter o talento dos ex-alunos e voluntários, também é um filme que propôs o pagamento igualitário entre o elenco. Todos, sem exceção, que trabalharam no filme foram pagos igualmente, até mesmo a estrela Domingo que já brilhou em outras produções.
O resultado dessa parceria foi um filme independente, de baixo orçamento, filmado em pouco tempo. Conduzido por Greg Kwedar, Sing Sing explora os cantos internos e claustrofóbicos da prisão, colocando sempre o espaço da teatro como um escape. O teatro é apresentado de maneira ampla, espaçosa e até aconchegante, onde o grupo pode conversar sobre assuntos que não remetam ao dia a dia. Enquanto que os dormitórios, os pátios, os corredores, são estreitos e pequenos. É no palco que os personagens se sentem mais humanos e sentem o direito de extravasar suas emoções.

É através do teatro que eles se sentem pessoas novamente. O filme não se importa em mostrar o ponto de vista dos policiais, mas, com sábias pontas, é nítido a crítica ao desprezo de um sistema injusto e racista. Isso se dá através da relação entre Divine G e Divine Eye, dois opostos que constroem uma amizade com o decorrer da peça. Divine Eye, interpretado pelo ex-aluno do verdadeiro RTA Clarence “Divine Eye” Maclin, é desconfiado e violento de início, mas tem a sua segunda chance ao conseguir dominar seu personagem Hamlet. Sing Sing mostra a claustrofobia da prisão sem precisa recorrer ao apelo gráfico da violência, o próprio filme humaniza seu gênero.
A pegada independente se demonstra pela sua cinematografia que optou por filmar em 16mm usando apenas a luz natural dos espaços. Se o intuito era mostrar prisão de maneira literal e também emocional, a luz é, se não, um lembrete do mundo lá fora. A paisagem verde, as ruas, estradas, calçadas, grama e a luz do sol estão ali, na janela, tão perto e tão longe ao mesmo tampo. A câmera percorre pelo elenco naturalmente, mostrando a improvisação dos atores que interpretam a si mesmos, nesse aspecto documental e “amador”. O processo de criação da peça aborda a união comunitária pelo projeto: se Divine Eye começa com um pouco de “ciúmes” no começo, isso se dissipa ao entender que todos estão juntos para algo maior.

Sing Sing coloca em cheque a função do sistema punitivo das prisões. Se o número de presos que voltam ao crime continua alto no país sem programas como o RTA, então qual é a verdadeira função da prisão se não o higienismo e limpeza étnica? Claro, estamos falando de presos que podem retornar a sociedade, levando em consideração todos os dados abordados nesse texto sobre a disparidade da injustiça racial do país. O filme comprova que o papel da arte é transformador, é através dele que se cria dignidade, caráter e humanidade.

