Ritas | Um espelho da mulher que ousou ser ela mesma

Rita Lee nunca coube em rótulos. Era rock, era ironia, era bicho-grilo e bicho urbano. Era escândalo e silêncio. Um corpo livre num país sempre pronto para julgar. A estreia do documentário Ritas acontece nesta quinta-feira (22), data escolhida pela própria artista como seu “novo aniversário” por coincidir com o Dia de Santa Rita de Cássia. A ocasião nos oferece a rara oportunidade de mergulhar na alma de quem moldou gerações com irreverência e sensibilidade.

Dirigido por Oswaldo Santana e codirigido por Karen Harley, o filme evita os clichês da idolatria e aproxima-se da mulher por trás do mito. Não vemos a Rita Lee das manchetes, mas aquela dos arquivos caseiros, dos momentos de introspecção, da última entrevista concedida pela mesma em 2018. Ritas é, antes de tudo, um autorretrato — a própria artista conduzindo sua narrativa, escolhendo como deseja ser lembrada.  E isso faz toda a diferença.

Rita nos conduz pela própria história com o mesmo humor ácido e olhar crítico que fizeram dela uma das vozes mais autênticas da música brasileira. O documentário revela não apenas a roqueira transgressora, mas também a escritora sensível, a feminista antes do tempo, a mulher que enfrentou a fama, o preconceito, o câncer e a espiritualidade com a mesma ousadia que a levava aos palcos. Há registros com o marido Roberto de Carvalho, os filhos, os netos e amigos próximos como Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Visualmente, o filme adota uma estética intimista, quase artesanal. Sem pressa, sem espetáculo. Apenas presença. A curadoria das imagens, sons e palavras é delicada e respeitosa — valoriza os silêncios e acolhe as contradições. Em vez de explicar Rita Lee, o filme a escuta. E isso, por si só, já é um gesto de reverência e liberdade.

A escolha da data de estreia é um detalhe poético. Durante a pandemia, Rita decidiu adotar o dia 22 de maio como sua nova data de nascimento, em homenagem a Santa Rita, padroeira das causas impossíveis. Um gesto simbólico, como tantos outros que marcaram sua trajetória. Desde 2024, essa data também é oficialmente o Dia de Rita Lee na cidade de São Paulo. Num país que tantas vezes negligencia seus artistas em vida, esse reconhecimento vem como uma reparação tardia, porém necessária.

Além do legado artístico, Ritas também evidencia a força de Rita Lee como símbolo de resistência. Em um país que muitas vezes exige conformidade, ela escolheu ser diferente e fez disso sua maior bandeira. A maneira como enfrentou as convenções, os rótulos de gênero e os padrões impostos pela sociedade a transformou em um ícone não só da música, mas da liberdade de ser. O documentário nos convida a refletir sobre como o inconformismo, quando movido por autenticidade, pode abrir caminhos para muitos. Rita não apenas representou seu tempo, ela o reinventou.

Por fim, Ritas é mais do que um documentário. É um rito de passagem. Uma despedida afetuosa da artista para seus fãs e um reencontro com a mulher por trás da figura pública. Ao fim, não resta apenas a música ou a rebeldia — permanece a certeza de que Rita Lee foi, acima de tudo, livre. E nos ensinou, com humor, afeto e esquisitice, que a liberdade é a forma mais bonita de existir. 

O documentário chega aos cinemas em 22 de maio.