Tem milhões de coisas incríveis sobre Joana, e a primeira delas é o facto de ela, tal como a princesa da Disney que todos nós conhecemos e amamos – sim, a Mulan! –, se ter vestido de homem para ir para a guerra lutar pelo seu país na Guerra dos Cem Anos.

Jeanne D’Arc, Joana D’Arc ou “A Ruiva” para os amigos, é a santa padroeira da França, o mesmo país em que lutou durante a Guerra dos Cem Anos à defesa dos Armagnacs, um dos grupos que travava uma guerra civil contra os Borguinhões, aliados com os ingleses. Era camponesa, modesta, e sequer sabia ler, mas foi a heroína do seu povo ao assumir o controlo da facção, disfarçada de homem para ter direito a lutar.
Joana nasceu em Domrémy, em Lorena, França. Em sua honra, a cidade mudou de nome entretanto: Domrémy é hoje o que conhecemos como Domrémy-la-Pucelle (Pucelle significa donzela em francês). Ninguém sabe quando nasceu, mas estima-se que tenha sido a 24 de fevereiro de 1412.
Era a irmã mais nova de três rapazes e uma outra menina. Os pais, Jacques e Isabelle, eram agricultores e artesãos. Como eram uma família muito religiosa, desde sempre Joana ia à missa e fugia do campo para rezar na paróquia da sua cidade. Ao ser julgada, ela falou que desde que tinha 13 anos ouvia Santos a falar consigo, dizendo que deveria sempre frequentar a igreja e, no futuro, ir a Paris para levantar o domínio sobre a cidade de Orléans.
Tudo isto acontece num contexto de Guerra: a famosa Guerra dos Cem Anos que, na verdade, durou 116. Ao mesmo tempo que a peste negra devorava os europeus, matando milhares, a Inglaterra e a França lutavam pelo trono francês. Com a morte de Carlos IV de França, ocorreu uma crise dinástica: ele faleceu sem deixar herdeiros e, tal como muitos nobres franceses, alguns ingleses achavam-se no direito de tomar o trono para si. Assim, formaram-se dois grupos, que rebentaram numa guerra civil: os Armagnacs e os Borguinhões.

Durante estas batalhas sangrentas, não eram os nobres que sofriam, vendo os soldados matarem-se uns aos outros pelas suas guerras. Mas sim os camponeses, a classe humilde de que Joana fazia parte. A alta tributação, a falta de recursos e de colheitas e a peste assassina que se espalhava a toda velocidade começavam a gerar revolta e rebeldia nos mais pobres. Neste contexto de guerra, desespero e manifestação do povo surgiu Joana D’Arc, que viria a ser lembrada para sempre pela sua coragem.
Com a ajuda de Robert de Baudricourt, capitão da guarnição Armagnac establecida na cidade vizinha à sua, conseguiu atravessar território hostil dos Borguinhões, escoltada por Poulengy e Jean de Metz, que havia de presenciar todas as suas seguintes batalhas. Até ao fim dos seus dias usou roupas de homem, para ocultar o seu sexo. Quando atravessou o Delfim e conseguiu um encontro com o rei Carlos, acabou por conseguir ganhar a sua confiança a convencê-lo a fornecer-lhe soldados para libertar a cidade de Orléans.

Após interrogada sobre as suas intenções pelas autoridades, o rei ficou finalmente convencido das palavras de Joana e autorizou-a a acompanhar as tropas francesas dos Armagnacs, que planeavam libertar Orléans, cercada e invadida pelos ingleses há oito meses atrás.
Aqui entra uma das partes mais incríveis da história fascinante de Joana D’Arc, que a minha mãe me contou: a libertação do cerco de Orléans. Os franceses estavam prestes a render-se quando Joana chegou com as novas tropas dadas pelo rei. Os ingleses não conseguiram manter o cerco e foi uma vitória para França. Um mês após a libertação do cerco, a própria Joana conduziu o rei Carlos VII a Rems, onde seria coroado. A coroação do novo rei e a vitória celebrada por ela deram a luz que os franceses precisavam para terem esperança e voltarem á batalha com toda a força.

Joana cumprira a sua promessa com Deus, por isso acabaram as suas missões no exército. No mesmo dia da coroação, para recuperarem Paris, os emissários do Duque de Borgonha e o rei negociaram a paz. Durante a trégua, os últimos Borguinhões restantes nas regiões de Rouen foram derrotados. Joana foi ferida com uma seta na tentativa de entrar em Paris, o que acelerou a decisão de retirada do rei em Setembro, sem expressar a vontade de abandonar a luta mas sim de conquistar a paz através de tratados e outras oportunidades.
Foi em 1430 que retomou a carreira militar para a última missão. Em Compiègne, acabou por ser presa pelos Borguinhões, que tinham uma “amizade” com os ingleses. Foi interrogada nos dias 27 e 28 de Maio do mesmo ano pelo próprio Duque de Borgonha. A sua venda foi negociada pelos ingleses, que a transferiram para Rouen.
Joana foi presa numa cela escura, vigiada por cinco homens. O processo iniciado contra ela pelo Bispo de Beauvais não lhe trouxe nada a não ser glória: os populares viam-na como uma heroína nacional, pelo modo como se desenvolveu, e por isso ainda hoje nos chega a sua história. No dia 21 de Fevereiro, ela foi ouvida pela primeira vez: a princípio negou-se a fazer o juramento da verdade, mas acabou por o fazer. Foi questionada sobre as vozes que ouvia, sobre a igreja militante e, acima de tudo, sobre os seus trajes masculinos – já que, por ser mulher, não podia lutar na guerra.

Nos dias 27 e 28 de Março, foram apresentados 70 artigos de acusação a Joana, mais tarde reduzidos apenas a 12. Nesse mesmo dia, Joana vomitava porque ingeriu alimentos venenosos. Os ingleses trouxeram um médico para a manter viva, já que a planeavam executar em público.
Sabe-se mais sobre a morte de Joana do que sobre seu nascimento: a guerreira foi queimada viva a 30 de Maio, em 1431, com nada mais, nada menos do que 19 anos. Isto ocorreu na Place du Vieux Marché (a Praça do Velho Mercado), às 9 horas, na cidade de Rouen. Desde então, e mais recentemente, foi chamada de “feiticeira” por William Shakespeare, ridicularizada num poema satírico pelo famoso filósofo Voltaire e, em 1920, tornada santa pelo papa Bento XV.

Há vários filmes, livros e até jogos sobre a história da heroína francesa.
Desde criança ouço esta história da minha mãe, que nasceu na cidade em que Joana morreu. Esta personagem, morta injustamente, foi uma guerreira incrível, uma mulher lutadora, que trouxe esperança e alento ao povo francês. Em parte, a França tem muito de Joana nela hoje em dia e, se antes era condenada e chamada de bruxa, hoje até os mais nobres reconhecem que hoje a França não seria França sem ela. Tal como Joana, os franceses são lutadores, e têm um espírito guerreiro impossível de abafar: como vimos la resistance da Segunda Guerra Mundial, os estudantes em Maio de 1968 e como vemos até, atualmente, a sua coragem após os ataques terroristas há uns anos atrás e as manifestações violentas dos Coletes Amarelos devido aos aumentos dos impostos sobre os combustíveis fósseis.

Mas voltemos a Joana: sou muito orgulhosa de termos tido uma mulher destas na história. Ela é um ícone de feminismo cuja existência ficou perdida na história durante muito tempo. Tal como tantas mulheres ao longo da história, foi pisada e diminuída, mas nem assim a sua bravura foi diminuída. Joana lutou tão bravamente, ergueu a espada com tanta força como qualquer homem naquele campo, e acabou por sofrer um destino fatal apenas por não ser homem. Ela lutou pelo seu país, por aquilo em que acreditava, movida pela fé. Até me custa encontrar palavras para a descrever: foi apenas mais uma vítima de ideologias da sociedade, que acreditavam que mulheres não tinham o direito de lutar, de usar calças ou de dar a sua opinião. Joana foi um soco a cada um desses homens machistas.
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