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O Blues e as Mulheres

Nos últimos dias tenho ouvido muito as canções do rapper Baco Exu do Blues. Uma em especial, “Bluesman” (cujo clipe ganhou o grande prêmio do Cannes Lions na categoria ‘Entertainment for Music’) , foi o que me motivou a escrever esse texto.

“O primeiro ritmo a formar pretos ricos. O primeiro ritmo que tornou pretos livres. (…) Eu sou a porra do Mississipi em chamas .”

Vamos falar sobre blues, para além do ritmo musical, um dos maiores exemplos da história da música como ato de resistência, e que originou tantos outros ritmos como o rock, o folk, disco, entre outros. Mas mais especificamente sobre as mulheres do blues – que foram imprescindíveis para o crescimento do ritmo e que seguem sendo pouco lembradas e celebradas por suas contribuições pelo grande público.

Uma das coisas mais intrigantes que percebi, crescendo, é que embora minha família tivesse pouquíssima consciência ou orgulho sobre sua negritude, assim como tantas famílias brasileiras (especialmente num passado nada distante), nós sempre tivemos uma conexão muito forte com as produções artísticas dos afro-americanos, que chegavam com certa facilidade até nós aqui no Brasil. Por infinitas razões que só hoje compreendo, eu sempre senti que era diferente quando nos reuníamos na sala de estar para ver algum filme ou série produzidas por gente… igual a gente.

A influência dessas produções – geralmente dirigidas, roteirizadas e protagonizadas por pessoas negras – foi primordial para que eu (e acredito que tantas outras pessoas) conhecessem grandes referências musicais já na infância, além de ter permitido que entrássemos em contato com a cultura dos nossos irmãos estadunidenses. Por exemplo, é humanamente impossível contar quantas vezes a Tina Turner foi citada em ‘Eu, a Patroa e as Crianças’.

Não distante disso, foi sobretudo dessa maneira que o jazz, o soul, o R&B e tudo aquilo que o Blues primeiramente influenciou e formou as preferências da minha família para a música no geral. É fato que sempre amei isso, acordar e ouvir James Brown e Aretha vindo do som da sala de estar, ou então ver os clipes do Michael Jackson com meus primos e tios num domingo a tarde, mas entender da onde saiu todo esse tipo de música, o que o blues influenciou, como surgiu primeiramente, e em que contexto, transformou muito o meu olhar e deu um novo sentido a tal conexão que falei sobre lá em cima.

A música sempre serviu como uma forma de resistência, e não foi diferente com o blues. Nascido no Mississipi, próximo a Nova Orleans (berço do jazz), no Sul dos Estados Unidos, foi influenciado pelas canções de trabalho cantadas pela população negra escravizada nas plantações de algodão, e também pelos “spirituals”: um estilo introspectivo, religioso e carregado de emoção. Por meio dessas expressões artísticas, além de tornarem o trabalho mais tolerável, o povo negro ainda escravizado no Sul reivindicava liberdade, transmitiam mensagens uns aos outros, expressavam suas frustrações e declamavam suas identidades. Não é a toa que o termo “blues” remete à tristeza, à adversidades, mas não foi apenas isso, foi e ainda é, também, muita força. Após o fim da Guerra-Civil, o conceito de Blues se tornou conhecido, disseminado e passou a representar o estado de espírito dos afro-americanos.

As mulheres, principalmente as Blues Queen(s) a partir do Classic Female Blues, uma das formas pioneiras do estilo, foram de suma importância para moldar e popularizar o ritmo que originaria tantos outros. Por isso, decidi dedicar esse post à elas, mulheres corajosas e super talentosas. Com toda certeza do mundo, o blues (e o jazz, desde que os dois andam lado a lado) não seria o que é hoje.

Nina Simone

Nina Simone não carece de apresentações. Basta ouvir seu nome que já é familiar, para sua icônica “Feeling Good” vir à mente. Nina começou a tocar na igreja e ao longo de sua carreira transitou entre o gospel, a música clássica, o jazz e o blues. Sua existência e contribuição na arte, principalmente em seu tempo, foram importantíssimos no que tange a luta pelos direitos civis da comunidade negra. Nina tocava em espaços majoritariamente pensados e frequentados por brancos, o que exigia dela coragem para dizer o que precisava por meio de sua música. E ela teve, fez dela um ato político. A cantora se tornou um grande símbolo da luta da população afro-americana e é lembrada até hoje em todo o mundo. Um dos episódios mais memoráveis de sua carreira foi quando ela performou sua canção “Mississippi Goddam” (Maldito Mississippi), que foi composta após o assassinato de Medgar Eves, ativista negro, e o atentado a uma igreja Batista que deixou quatro crianças negras mortas. Ambos os crimes foram praticados por membros da Ku Klux Klan, no Alabama, 1965. Esta foi a primeira canção de protesto de Nina.

Sister Rosetta Tharpe

A maior inspiração dos que ficaram marcados como reis do rock e do blues: Elvis Presley, Johnny Cash e B.B. King. Sister Rosetta foi a autêntica realeza desses estilos e chegou a ganhar em sua homenagem, uma música do vocalista do Led Zeppelin, ‘Sister Rosetta Came Before Us’ (Sister Rosetta veio antes de nós). Uma revolucionária, foi uma das pioneiras no cenário do jazz e do blues, e a primeira artista gospel a assinar com uma gravadora. Ao unir o gospel às influências desses ritmos, criou nada mais nada menos que… o Rock’n’roll. Sister Rosetta entrou para o Rock and Holl Hall Of Fame apenas em 2017.

Bessie Smith

Outra Blues Queen, nascida no Tenessee, Bessie Smith é conhecida como ‘A Imperatriz do Blues’ e foi uma das cantoras do gênero que obtiveram maior sucesso em todos os tempos, abrindo caminho para tantas outras grandes artistas nos anos 20, como Clara Smith. Faleceu em 1937, em um acidente, devido à falta de atendimento médico as pessoas negras na região em que se encontrava. Apesar da morte trágica, Bessie Smith é lembrada até hoje pelos fãs de blues e de jazz, além de ter sido e ainda ser muito influente para os artistas desses ritmos, também foi uma figura muito importante para o rock. Queen Latifah inclusive a interpretou no filme “Bessie” produzido pela HBO em 2015. Uma verdadeira força da natureza.

Ella Fitzgerald

Ella Fitzgerald é possivelmente uma das estrelas do blues e do jazz mais exaltadas da história, mesmo nos dias de hoje. Com 59 anos de uma carreira extremamente bem-sucedida, Ella não foi somente a primeira mulher afro-americana a ganhar um Grammy, como colecionou 14 estatuetas. Se tornou uma das maiores no mundo da música, e também conquistou o cinema, com destaque para sua personagem Maggie Jackson em Pete Kelly’s Blues (1955). Com sua versatilidade, sua voz suave e inconfundível, e vocais que atingiam 3 oitavas, o legado de Ella permanece vivo mesmo após 23 anos de sua morte.

Ma Rainey

Natural da Georgia, por ter sido a primeira vocalista de blues de sucesso, Ma Rainey ficou conhecida como a “mãe do Blues” e se envolveu em uma grande polêmica na época de sua atuação: Ma nunca fez questão de esconder em sua música elementos que expunham sua bissexualidade. Isso ficou mais evidente com “Prove it on me”. Apesar de ter construído uma trajetória admirável e ter influenciado grandes ícones da música como Bob Dylan, poucos conhecem seu nome ou seu trabalho. Colaborava com a também icônica Bessie Smith, e inclusive, é retratada no filme “Bessie”. Ma entrou para o Blues Hall of Fame em 1983 e para o Rock and Roll Hall of Fame em 1990.

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