Ainda hoje, em 2020, é explícito como a nossa sociedade é extremamente machista e patriarcal. Se torna nítido que tais atitudes profundamente enraizadas ao longo de gerações possuem um impacto muito grande na vida de muitas mulheres.

A desigualdade de gênero também pode ser claramente observada em relação ao tratamento da raiva. Esse sentimento tão comum a todos, é quase sempre o motivo de apelidos que possuem o intuito de rebaixar a mulher.
Enquanto para homens a raiva é um motivo de desculpa ou sinal de virilidade, para uma mulher, a raiva muitas vezes é considerada um comportamento inadmissível, o motivo para adjetivá-la como louca, surtada, hostil ou até mesmo histérica. Não é difícil encontrar exemplos dessa situação tanto na vida real quanto na fictícia, veja:
1. Hillary Clinton

Hillary conta em sua biografia que durante sua carreira política, sempre se sentiu pressionada por não soar de maneira brava o suficiente ou deixar transparecer seus momentos de frustração.
Durante as campanhas presidenciais dos EUA em 2016, Donald Trump e Bernie Sanders puderam demonstrar suas “raivas” e bater sobre o púlpito com o ar raivoso, enquanto Hillary deveria manter postura e ficar calma. Como resultado, Clinton saiu em desvantagem, visto que sua postura calma foi associada à inautenticidade.
Tal situação é muito contraditória, pois quando a mulher não demonstra estar com raiva, não é considerada a mulher perfeita para um cargo ou não possui capacidade para tal. Ao mesmo tempo, se suas frustrações transparecem, esteriótipos e julgamentos começam a ser traçados contra ela.
2. Dilma Rousseff

O processo de Impeachment contra a ex-presidente, Dilma Rousseff, rendeu inúmeros exemplos desse tipo de tratamento contra a mulher.
É incontável a quantidade de posts, matérias e notícias que foram reproduzidos e lançados na mídia a fim de taxar Dilma como louca e histérica enquanto ela passava pelo processo. É completamente compreensível que a ex- presidente não estivesse bem ao longo das meses em que não só foi agredida verbalmente, como exposta ao ridículo e tratada com grande desrespeito em diversos momentos (quem não lembra do adesivo colado nos carros com apologia ao estupro?).
A primeira e única mulher que foi presidente do Brasil até os dias atuais possui diversas postagens na internet com chamadas como “As explosões nervosas da presidente” e ” Dilma surtou e vive à base de remédio tarja preta, dizem assessores. O Brasil nas mãos de uma desequilibrada”.
É válido se atentar a quantos presidentes do sexo masculino receberam esse tipo de tratamento em mídia nacional, e veremos o quanto a desigualdade de gênero pode ser cruel.
3. Britney Spears

Quem nunca ouviu falar que Britney surtou?
Em 2007, a cantora chocou a todos com atitudes radicais e inesperadas: entrou num salão de beleza, raspou a cabeça, agrediu paparazzis, e a partir desse instante, sua carreira entrou em colapso. Em um momento de fragilidade psicológica, a vida de Britney virou um caos generalizado, e é certo dizer que esse é um dos episódios mais traumáticos de sua carreira. É muito comum que pessoas que passam por traumas, expressem o que sentem através da raiva, e com Britney não foi muito diferente.
Felizmente, a cantora conseguiu se reerguer e retomar sua carreira, mas até hoje o caso é tratado como uma piada, quando na verdade, o que Britney sofreu foi a grande pressão da indústria musical aliada à problemas pessoais, o que a fez perder o controle.
4. Amelia Shepherd, Grey’s Anatomy

Em Grey’s Anatomy, a personagem Amelia Shepherd é vista por muitos telespectadores (e até mesmo pelos demais personagens) de maneira equivocada. Amelia sempre foi muito forte em suas posições, nunca baixou a cabeça para quem a subestimava e sempre lutou pelo seu espaço no hospital, e esse posicionamento trouxe a famosa impressão “sempre está morrendo de raiva” ou “mulher maluca”. Além disso, a personagem não recebia destaque como seu irmão, Derek Shepherd, mesmo exercendo a mesma função e sendo extremamente competente no cargo. Como se não bastasse, Owen (seu marido) não respeitava sua vontade de não ter filhos no momento, mesmo sabendo de seus traumas em relação ao assunto. Após a retirada do seu tumor cerebral, começaram a relacionar suas atitudes com a doença, gerando um apagamento na identidade da personagem.
5. Big Brother Brasil

Por último, mas não menos importante. Quem acompanha o BBB20 conhece Marcela McGowan, uma mulher loira, branca e rica, que ficou conhecida no início do Reality Show por se pronunciar a favor do movimento feminista, e dar declarações como a do print acima.
A questão é a seguinte: no BBB19, as participantes Gabriela Hebling e Rizia Cerqueira, mulheres negras, se pronunciavam exatamente sobre as mesmas questões e eram chamadas de chatas, “mimizentas” e raivosas. Hana Khalil, da mesma edição, também recebeu muito mais destaque que as companheiras, e todas compartilhavam da mesma linha de pensamento. Quando as mulheres negras compartilham suas dores e indignações são silenciadas e oprimidas, enquanto a mulher branca é exaltada. Representação feminina sempre é bom, as declarações de Marcela não deixam de ser pertinentes, mas vamos começar a valorizar todas as mulheres, sem seletividade?

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