“Uma fábula tirada de uma tragédia real”. Os dizeres lidos antes da primeira cena de Spencer já traz a compreensão de que a narrativa do longa de Pablo Larraín segue um rumo bem diferente das demais obras sobre a famosa figura de Lady Di. Afinal, Spencer não é um filme biográfico.
Dirigido por Larraín (Jackie) e tendo Kristen Stewart no papel principal, a obra cinematográfica mergulha na psique de Diana Spencer, mostrando a princesa para além da sua vida pública e do seu casamento com o príncipe Charles.
E por trás das paredes robustas do Castelo de Sandringham, em Norfolk, onde a família real britânica passava as festividades natalinas de 1992, conhecemos uma mulher forte, destemida, cheia de personalidade, mãe de dois meninos, William e Harry, mas que também possui fragilidades e medos.

Apesar do roteiro de Steven Knight não se ater aos detalhes históricos, é um fato que naquele ano o romance do príncipe com Camilla Parker Bowles já circulava na mídia. A Coroa britânica sabia e Diana também: a princesa, tão amada pelo povo, vivia um conto de fadas que estava em ruínas.
Mas se tudo é uma questão de aparências, a espiral por qual Diana caí a leva para um castelo silencioso, solitário e gelado. Enquanto do lado de fora, ela é perseguida pelos fotógrafos, no castelo existem outros olhos a cercam, esperando que os deslizes aconteçam para deixar claro que ela não se encaixa naquele jogo. Como em uma partida de xadrez, a rainha é a peça mais poderosa.
O filme é repleto de dualidades, algumas mais sutis, outras escancaradas. O próprio título remete ao sobrenome de solteira da princesa – algo mencionado em algumas cenas como se existissem duas Dianas, uma antes e outra depois do casamento. Ambas querem ser resgatadas daquele espaço inquietante.
Com um jogo de câmeras artístico e belíssimas passagens de cena, o espectador consegue sentir o quão aquele espaço monumental, mas tão quieto que chega a ser fantasmagórico, pode parecer claustrofóbico. O longa toma um caminho de quase thriller psicológico que chega a ser surpreendente e é bem guiado pela maestria sonora de Jonny Greenwood.

A pressão para seguir as tradições e os padrões exigidos pela família real mostram que ali existe um script muito bem escrito e que precisa ser seguido à risca.
A princesa logo se vê atormentada por burburinhos dos funcionários e pelo fantasma de Ana Bolena. Também abandonada pelo marido, a antiga Rainha Consorte da Inglaterra e segunda esposa do rei Henrique VIII, foi decapitada após acusações de adultério que até hoje geram debates sobre sua veracidade.
Lady Di teme ter o mesmo destino da monarca, visto que os problemas em seu casamento são de conhecimento público, mas um divórcio parece ser uma realidade distante. O que importa é a imagem do casal e da família real.
Por outro lado, o ar fresco chega nas cenas em espaços abertos, como enquanto Diana dirige ou anda pelos jardins. A gentileza, uma de suas maiores características, foi bem lembrada, em contraste com os olhos que não deixam a tristeza ir embora.
Alguns momentos surgem como sopros de vida: as flores depois da missa de Natal, o contato com o público, as brincadeiras descontraídas com os filhos, por quem tem amor incondicional. Pequenos acontecimentos em que se torna possível enxergar sua alma livre, presa à tradições que perderam o sentido.

Por essa entrega, Kristen Stewart merece todo o crédito. Essa é de longe sua melhor performance. Ela consegue emergir o lado sensível e vulnerável nunca visto da mulher que foi a mais fotografada do mundo, mas que naquele Natal de 1992 foi vista por outras lentes. Era uma esposa e mãe sofrendo com o fim do seu casamento, tentando ser presente para os filhos e se sentindo sozinha, mesmo em um castelo cheio de pessoas.
A realidade é que todos acham que sabem quem foi Lady Di e que já viram uma atuação impecável de Stewart antes, até assistir Spencer.
Spencer chega cinemas brasileiros pela Diamond Films em 27 de janeiro de 2022.
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