Abbott Elementary se tornou uma grande queridinha do público e da crítica atualmente. Essa comédia é um original da ABC/Hulu disponível no Disney+, criada por Quinta Brunson, que conta a história de um grupo de professores da escola Abbott Elementary, uma escola pública da Filadélfia. A trancos e barrancos, os professores vivem cada dia enfrentando os desafios do ensino público, com um humor leve carregado de sarcasmo, um drama bem dosado e episódios caóticos.
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Abbott Elementary é mais uma série do gênero mockumentary, um nicho muito popular dentre as séries de comédia que consiste na linguagem de documentário ser aplicada a uma história fictícia. Outras séries de grande nome fazem parte desse nicho, sendo a mais famosa delas The Office (US), mas também podemos citar Modern Family e What We Do In The Shadows. Esse formato de falso documentário implica em sacadas especiais que ampliam e renovam a maneira de fazer comédia, começando pelas situações awkward criadas onde os personagens usam a câmera como uma válvula de escape, trocando olhares e expressões com o público ao reagir ao constrangimento. Os enquadramentos do mockumentary exigem que o elenco traga o máximo de naturalidade possível com seus personagens, já que eles precisam se passar por pessoas reais – é nesse ponto que Abbott Elementary consegue extrair ótimas performances enquanto desenvolve uma narrativa simples e muito divertida.
A odisseia dos personagens
O ápice de Abbott Elementary se dá com a química do elenco. A primeira temporada da série foca em construir cada um deles e suas relações, conseguindo equilibrar a trama envolvendo as críticas sociais acerca do sistema de ensino público com o desenvolvimento dramático de cada personagem.

Janine é a protagonista. Ela se mostra uma personagem dedicada ao trabalho, porém com uma vida pessoal solitária e carente de amor familiar. Carência essa que ela busca suprir no seu ambiente de trabalho, vendo seus colegas como parte de sua família e, como consequência, se frustrando quando percebe que não há reciprocidade no sentimento. Brilhantemente interpretada por Quinta Brunson, não há como negar que Janine é o coração da série pelo caos crescente conforme arranja problemas para resolver. Tudo isso faz parte da sua personalidade e do seu crescimento. A transformação de Janine entre as temporadas é visível pela sua mudança de comportamento e também pela mudança de figurino, mostrando amadurecimento através das suas roupas, penteados e maquiagem. Quinta Brunson agrega muito talento ao viver a personagem com seu timing para comédia e seu controle para o drama, sabendo intercalar com naturalidade.
Barbara é uma das veteranas do colégio que aprende a apreciar o entusiasmo de Janine enquanto se torna uma figura materna. Ela é a voz da razão já que seus 20 anos dentro de sala de aula a fizeram compreender a injustiça do sistema. Contudo, ela também busca aprender com o otimismo de Janine, abrindo-se para o novo e se reinventando. A atuação de Sheryl Lee Ralph é tão natural que, mesmo com os trejeitos caricatos de Barbara, Sheryl ainda consegue torná-los sutis e engraçados. Assim como Janelle James interpretando Ava, a chefona incompetente que só está onde está porque precisa de um emprego. Ava é caricata e remete ao Michael Scott da série The Office – não tão intrusiva, mas, ainda sim, lembra-o pela sua maneira de debochar de seus funcionários, entretanto sempre se importando com eles. Janelle James brilha como Ava, sendo espontânea, despojada, barulhenta e muito piadista.

O queridinho dos brasileiros, Tyler James Williams, também integra o elenco ao viver Gregory (ironico, não?). Gregory é um dos meus personagens favoritos não só pelas sacadas de comédia do Tyler e seus olhos extremamente expressivos, mas também por ele ser um personagem neurodivergente com uma abordagem menos caricata e mais respeitosa do que outras séries por aí. Gregory é tratado com muito carinho durante suas demonstrações de hiperfoco, sua dificuldade em sair da rotina, seus gostos muito específicos e sua introversão com situações sociais. E nunca desmerecido com piadinhas chatas. Ainda por cima, temos um romance desenvolvido entre Gregory e Janine, trabalhando o “friends to lovers” durante as temporadas.
Temos também Jacob (Chris Perfetti) e Melissa (Lisa Ann Walter). Jacob é um tanto inconveniente, mas um professor brilhante, assim como Melissa, que entra como aquela personagem cheia de “esquemas” – uma italiana mafiosa de família tradicional da cidade, ironicamente se tornou uma professora apesar de não ser um bom exemplo. Esses personagens integram o elenco principal da série, com as adições muito satisfatórias do Mr, Johnson (William Stanford Davis), Tariq (Zack Fox), Ashley (Keyla Monterroso) e outros recorrentes.
Um pouco sobre as temporadas

A primeira temporada desenvolve os conflitos da escola enquanto compõe a dinâmica do elenco, abordando as críticas sociais sobre o ensino fundamental público nos EUA. A leveza da série traz otimismo ao lembrar da função do professor na sociedade – uma profissão tão esquecida e sucateada pelo sistema e, ainda assim, os profissionais mais importantes na vida de qualquer cidadão. O que me impressiona é que Abbott Elementary mira justamente o cotidiano dos professores de ensino básico e sua importância no desenvolvimento humano. Claro, de um jeito otimista, focando em mostrar o amor ao trabalho e as recompensas cotidianas. Já na segunda temporada, com as relações estabelecidas, acompanhamos o desenrolar da possível privatização da escola e as consequências dessa ação para os jovens de bairros carentes.
Com o sucesso da série, essa segunda temporada trouxe 22 episódios para compor o cenário caótico. As relações interpessoais já estabelecidas adicionam um background detalhando coisas que foram apenas citados anteriormente como a mãe de Janine, o pai do Gregory e a família tenebrosa de Melissa. É com isso que Abbott Elementary consegue criar um elo entre a vida pessoal dos professores e os problemas da escola sem deixar os arcos cansativos ou se alongar demais em alguns conflitos. Na verdade, o roteiro é bem conciso, respeitando os 30 minutos de episódio com um ritmo padronizado e gostoso de acompanhar.

Para a terceira temporada, foram liberados 14 episódios mostrando uma Janine em um conflito interno entre sua vontade de mudar o mundo e sua paixão pela profissão. Janine aceita a proposta de trabalhar no Distrito como uma maneira de tentar melhorar a situação de Abbott. É aqui que acompanhamos o seu processo de maturidade, entendendo a burocracia de um sistema falho que busca todos os meios de dificultar a melhoria da educação pública. Apesar de mais curtinha, a temporada mostrou que ainda há o que contar mesmo com uma trama simples. E para complementar, a cerejinha do bolo vem com um texto muito bem formulado que sabe encaixar referências da cultura pop pontualmente – principalmente da Marvel, contando até com a participação de Bradley Cooper.
Infelizmente, o Disney+ liberou até a 3ª temporada no catálogo, mas felizmente a série finalizou a quarta temporada e já foi renovada para a quinta! Resta esperar para acompanhar o restante da jornada dos professores. A quarta temporada conta com um crossover com a série It’s Always Sunny in Philadelphia, outra sitcom que se passa na mesma região e tem 16 temporadas disponíveis no Disney+.

