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“Amarelo – É Tudo Pra Ontem” é solar, histórico e necessário

“Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que só jogou hoje”. É com este velho ditado Iorubá que Emicida abre e encerra sua aula, ou melhor, o documentário Amarelo – É Tudo Pra Ontem.

Uma vez me deparei com um comentário enquanto assistia uma entrevista do cantor no YouTube, que descreve bem o que senti quando os créditos do filme subiram: “Eu nunca saio de um vídeo ou qualquer fala dele o mesmo que entrei”.

O filme fez sua estreia na Netflix intercalando gravações do show do rapper realizado no Theatro Municipal de São Paulo, em novembro de 2019, com uma análise da negritude brasileira nos últimos séculos, a luta antirracista, genocídio negro, semana de 22 e a própria história de vida de Leandro, antes dele se tornar o famoso Emicida.

Ao longo de 1h30, a obra dividida em três atos (Plantar, Regar e Colher), é narrada pelo próprio artista, que também assume o posto de personagem, por ser o resultado da lutas dos antepassados que abriram caminho para ele ocupar espaços que lhe fora negado. Com uma performance histórica, ele levou para a principal sala do Theatro os integrantes do grupo Movimento Negro Unificado, que lutaram contra o racismo durante a ditadura em um ato que aconteceu exatamente na frente do mesmo local mais de 40 anos atrás.

O documentário não teria o mesmo impacto se não tivesse passado pelas mãos criativas de toda a Laboratório Fantasma, gravadora e produtora do músico e de seu irmão, Evandro Fióti, que é produtor da obra. Aqui, AmarElo é o despertar do sonho e se concretiza como um filme, deixando ser a versão invisível, – que está disponível no Spotify, assim como o podcast AmarElo: O Movimento.

Assim, o show se consagra como o verdadeiro e glorioso retorno do cantor, por ter consciência que seu propósito e luta começou antes mesmo dele chegar aqui, mas que também foi ampliada. Na parte documental, que conta com as ilustrações de De Maio, Uflavioo, Cecília Marins e Thiago Limón, ele volta ao passado para mostrar que seu trabalho é consequência do legado de outros músicos, que abriram portas para tornar aquela apresentação possível e grandiosa.

Se em 2019 Emicida se uniu a Pabllo Vittar, Majur, MC Tha, Drik Barbosa e Jé Santiago, enchendo o palco de representatividade para mostrar a grandeza de cada um deles, essa mistura entre rap e os outros gêneros musicais brasileiros – em especial o samba, por ser a cara do Brasil – também foi graças a nomes como a grande dama do teatro, Ruth de Souza, Pixinguinha, os Oito Batutas, Lélia Gonçalves e o saudoso baterista Wilson das Neve,s (que se faz presente nos vitrais do palco).

Com um intuito de falar de afeto, amor e fé, – independente de religião e longe das ideias distorcidas propagadas com ódio – a produção também conta com a participação do pastor Henrique Vieira, Zeca Pagodinho, Fernanda Montenegro (sim, a própria Maria do Auto da Compadecida).

Se Emicida previa tempos sombrios no futuro por conta do governo do país, ele jamais poderia prever que seu o álbum se tornaria um acalento e um abraço nas pessoas quando uma pandemia mundial confinou a população mundial em casa. Com todos os eventos culturais presenciais cancelados, suas canções se tornaram “as pequenas alegrias da vida adulta” das pessoas e AmarElo se torna um novo grito de guerra em tempos difíceis: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

Simbólico, o documentário não poderia chegar ao fim se não permeasse o lembrete de que a vida só faz sentido quando se é compartilhada e que unidos devemos continuar a luta daqueles que já não estão mais aqui. Por coincidência ou não, a produção foi lançada exatamente no dia em que completou mil dias do assassinato da Marielle Franco, – caso que em investigação para descobrir quem mandou matá-la -, e a última cena exibida é uma entrevista da vereadora, afirmando que tudo isso é legado de Ruth de Souza florecendo.

Apesar de Amarelo – É Tudo Para Ontem falar sobre a urgência de fazer evidenciar e fazer as mudanças que estão atrasadas em nossa sociedade acontecerem, o documentário também tem o mesmo propósito do disco, devolver a calma em tempos turbulentos.

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